quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A cidade morre lentamente, costela a costela de metal. Os olhos amarelos de cansaço e medo. A miséria do homem que faz os jornais.
Cada pequeno apartamento segura fundo o desejo do casal que se toca muito breve. O pulmão das ruas, o descompasso entre o sorriso e a palavra.
Como posso, nesta noite de faróis radiantes, seguir em paz?
O sono e a sala acesa, mais os restos de cada parte que imagino para a vida.
Ela já se foi. Outras entrarão pela mesma porta, dirão boa noite e tocarão com os lábios semi-abertos a mesma fenda em que escondo a cidade que abomino. E a cadência das ruas que me habitam, dos diversos casais que se molham nas fontes, das fotografias que me expulsam para frente, sem que eu nem possa ter tentado me agarrar a algo, como se agarra a um lençol.
Não se deve, por isso, arrumar a cama.
A cada corpo, a cada copo de uísque e suspiro que violenta teus ouvidos, desnuda um pouco teu deserto. Amontoa a carne que te enfileira em cima do teu repouso, porque não há repouso.
Queima, cada vez mais, a pálpebra que monta tua vida como a um cinema de paredes vermelhas. Não arruma tua casa como quem silencia um noivado casto com o futuro. Não há sono que te traga alforria, você escravo.
Não há veste que te cubra o pudor do beijo.

outubro/09

2 comentários:

  1. Já passa da hora de vir buscar a caneta que agora exige teu talento para compor o dia e recompor a noite. Esplêndido!!

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  2. "Não há veste que te cubra o pudor do beijo..."

    PQP ...........

    bj.

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