terça-feira, 21 de setembro de 2010

Você partindo de nossa experiência incalculável
de dor e sinceridade
tal qual um navio deslizando fundo sem âncora alguma
pelo vermelho luminoso da baia.

Marcela, quando tinha onze anos,
escolheu outro par para dançar.
Por muito tempo remoí minha existência
triturando carnes de açougue e lágrimas
ante a impossibilidade dos passos.

Por muito tempo Marcelas me impediram
o beijo o tato a pele
ante a estátua fixa de meus amigos belos e fortes
e mais risonhos do que eu.




(eu)

Para sempre estive só.
Para sempre minha cama um abismo.
Para sempre nos poemas a fraqueza dos meus encontros raros,
a ampliação do momento da troca – às vezes tão pobre;
entre meus olhos de presa e os olhos de lança.

Eu por vezes também faço caças.
brinco de belo forte risonho
e procrio o jogo do meu peito nu.

eu também me nego às danças.
eu também rio da estupidez sentimental alheia

eu não sou livre.

E mais uma vez você partindo.
Eu-humilhação-pública
De um norte pequeno-burguês mudo,
não aceitando a viagem, a perda,
o teu desejo.




eu para sempre.





EU
EU
EU EU

EU
eu eu
eu.


O enxame do mesmo e monótono EU
ESTILHAÇADO, calado, ridículo


o eu que não usa chapéus como Whittman
que não sublima perante Péret.

o EU do conhaque a cem por hora e vinte minutos.
(e você partindo, me deixando na sala azul com um punhado de amigos belos fortes risonhos para encontrar outro amigo belo forte risonho)


não existem espelhos
- já se sabe –
para o ventre interno.



nem mesmo a poesia
basta.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

esperando desesperado a tua ausência.
meu gosto de me fantasiar de tua vida.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

carta desesperada

Anita
a poesia perdeu para a fome.

(meus olhos fixos divididos
entre
o preço do açúcar
e
a manhã convulsiva de teus cachos)

Anita, todos os dias eu acordo entretido.
Todos os dias eu leio a boca dos burgueses da cidade de São Paulo.
Quatroze de junho do ano de dois mil e dez, Anita,
e eu não consigo pensar em nada que não o preço do açúcar.

O preço do açúcar, Anita!
melhor seria o teu gosto creme,
tuas omoplatas em fúria,
tua lingua vermelha destravada!

Pensar ao menos na tua falta.
no teu corpo deitado manso chiando um blues.

mas as bocas me resvalam:
a saudade não se mede em reais, rublos ou dólares:
não é tempo de saudade, mas de pensar no preço do açúcar.

O preço do açúcar, Anita, mas não, nem isto:
qualquer resto que sacie a minha carne.
não engulo ônibus, prédios ou parques vazios.

(Não esquecer: os supermercados são desertos de excesso.)

A capital do país urra:
É terminantemente proibido comer!
Qualquer cidadão apanhado em estado de greve será fuzilado de fome!

Dinheiro.
que indelicadeza tratar de dinheiro numa carta!
mas acontece, Anita,
que sem carne não há saudade e nem vida.
e acontece mais, Anita,

A poesia perdeu para a fome.

ps: (antes do beijo e da despedida, espera, Anita):
intuo que da pedra fiz um verso.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Escala meus músculos a minha fragilidade.
minhas pernas se armam de tontura
e os ônibus me rompem arranha-céus na coluna fixa e suspensa sobre os bancos.

Uma lágrima plasmada ou uma navalha seca,
uma folha em retalhos ou um beijo:
adolescência de versos natimortos.

a pureza das crianças infernais,
o mal-me-quer abrupto e denso das cortinas escancaradas
ou a marcha brilhante da nação:
escarro branco-propaganda.

O amor é sujo.
O amor é a serie infinita de cigarros incendiados a sós num apartamento.
Conhaques revirados nas omoplatas,
O amor é sujo.

Nada de delícias invernais,
Sacrossanto virgem e despautério
O amor é a greve que grita greve.
A ocupação da vaga silenciosa,
o mínimo do mínimo entre uma carne e outra.

Tua boca acuada num canto esperando o abate de minha boca.
Teus dedos evaporando de delírio.
O suspense e o toque que acordará os olhos.
Minha alma subindo, crescendo mastigada até o topo de teus cabelos.
Uma parte de ferro deixando uma parte de vida.

Sim, sim, o amor é sujo.
Um quarto de sarjeta,
O amor é rua.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Canção

Um beijo descompacto,
caucasiano de nervura
mulato de presença.

minha carne tua unha
que de tanto respirar se adensa

Um fluxo plasmado em tua boca
parte feia parte triste
se ruísse Berenice
ai de quem disser
bem-que-te-disse!

domingo, 6 de junho de 2010

pulando minha retina
__________________um cen
_______________________________sor
___celebra






: ciúmes do imaginado.
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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Da máquina que me enrubesce
o instante uva da vontade
os teus cachos, jogados para fora do teu
corpo
cerrado e perplexo.

Me diz PÁRA te digo MATA.

Uma lágrima de festim transborda do teu sexo de pelúcia.

Minha vida em dois parques fustigados,
trinta centavos e um adeus de viagem.

Me diz PÁRA te digo MATA O PÁRA QUE TE ESTREMECE AS VEIAS.

Teus cachos de fogo e sêmen obedecem o surdo pacto do cansaço.

MATA O PÁRA
MATA O PÁRA

segunda-feira, 29 de março de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Toco, com um gosto úmido, tuas pernas de azeite. O sono que escondo no peito desliza para fora, num abraço vermelho de minhas sobrancelhas, e penso ser impossível que já tenha conseguido dormir antes; penso, antes de tudo, jamais ter dormido verdadeiramente. Você me olha pelas pernas enluaradas enquanto desfaleço, e sabe que cada parte de meus músculos se dissolve por entre meus dedos sem que eu possa ao menos insistir em sua permanência fixa no meu corpo. Tua mandíbula, tribunal de minhas noites insones, rosna levemente uma prosa azul, uma nota indesculpavelmente exata em sua mansidão, como quem prenuncia o fim mesmo de todas as outras notas. Mas não devo pensar no tempo. Não há tempo para o matrimônio silencioso das pernas. A tua, que se entrega cruelmente à fatalidade de estar entre as minhas; e as minhas, que te constroem como que desenhadas num contorno preestabelecido por minha própria fatalidade. Mas também não há fatalidade para as pernas: não existe senão a vaga idéia de presença. Mas não, nem isso, nem este reflexo pálido do que se pode chamar de presença passa pelas pernas que se tocam. Talvez meramente os pés, e somente eles, sejam a fatalidade presa na cadeia de nervos fatigados. Os pés rosados, talvez, que se deixam nus dos lençóis, enquanto pudicamente nos colocamos por debaixo destes, travestidos de fantasmas. Ainda se movem vagarosamente, os pés, e penso que há algo de controle que procuram, um controle inútil e incontornável sobre o sono que despeço de meu corpo. E as pernas, entretanto, antes saliva e fúria, agora quedam danadas afastando-me a possibilidade de pensar sobre as pernas. De que me serve pensar sobre as pernas? De que me serve pensar sobre estes quatro animais mansos que tem como repasto seguro apenas a fome do calor enluarado, apenas a força magnética que se consome até a cama?Não, de nada lhe valem o pensamento.
Amanhã, talvez, seja preciso imaginar que um dia você sequer me olhe mais, que as faixas de pedestre surjam cinzas no coração da cidade. Que leremos jornais, seremos sérios, e passaremos a agradecer os dias ensolarados que nos permitem trabalhar em paz. Amanhã, talvez, a promessa de carne escondida em tuas pernas se dissolva nos pássaros que sobrevoam as igrejas duras e extáticas. E os padres, preocupados com o meu bem-estar, me aconselhem a procurar um sentido na vida para longe da matéria corpórea que me prende e me amedronta. Meus amigos, da mesma forma, terão cautela com meus sonhos enegrecidos, e insistirão para que lhes fale o que há de mau em me ser. Os elevadores carregarão o fardo de meu corpo mudo, e voltarei a ser tolo e só.
Amanhã, talvez, mas não agora, não enquanto toco tuas pernas de azeite com meu gosto úmido. Divirto-me a pensar como o único momento de minha vida em que verdadeiramente vivo aproxima-se do único momento de minha vida em que verdadeiramente durmo. Fui ingênuo o suficiente para todos os dias imaginar o contrário, para imaginar os meus olhos carnavalizados desfilando pelas ruas diante do suor que ferve de outras mil casas. Ou imaginar, mais simplesmente, que para estar vivo bastava estar atento.
Mas não, não existem as casas que concebi, e nenhuma atenção é suficiente para a vida que recita, muito baixo, suas ordens. Percebo como errei, e continuo a errar, minhas assertivas frente às suas pernas que tocam as minhas. Brinco com o teu flanco, que me persegue e inunda minhas costelas; e você me pede para parar porque lhe faço cócegas, e eu lhe digo que é isso que sempre quis, que seus dentes salgados abrissem de forma tão maravilhosa e convulsiva que por eles eu pudesse ver os espaços entre os prédios e o hálito enevoado deste quarto. Seu corpo, tão matéria, balança deitado histericamente, como se todos os olhos do mundo tivessem se fechado, e a respiração única deste momento presente preenchesse todo nosso passado com a força de uma lua ancestral e violenta.
Talvez só se possa ser livre nu, deitado em tuas pernas. Os lençóis desarrumados feito lágrimas, para longe dos secadores de cabelos, dos bom-dia regrados, da absoluta falta. Talvez tenha te encontrado, finalmente, para além das cordialidades amarelas, dos sucos matinais, do espírito santo de todas as noites.

Respiro.
Tuas pernas dormem.
Eu vivo.